Ao tratarmos da cultura religiosa na Europa setentrional no período alto-medieval deparamo-nos com uma condição singular no que tange a natureza das fontes textuais disponíveis ao historiador. Estas são todas constituídas por relatos produzidos por agentes externos à cultura escandinava, ainda que em contato com esta. Assim, os documentos centrais para o conhecimento das práticas religiosas levadas a cabo no espaço escandinavo acabam por constituir um corpus ao menos “problemático” em relação ao objeto que se propõe a investigar. Tais questões são fundamentais, todavia, pois têm gerado uma gama de debates em torno da fiabilidade das fontes textuais, sobretudo diante da diversidade de informações oferecidas pelas investigações de natureza distinta, como a arqueologia ou a linguística. Ainda mais interessante nesse contexto parece ser o caráter quase sempre intermediado das informações registradas pelos autores do continente europeu em relação aos costumes religiosos do Norte. Desse modo, proponho um estudo comparativo entre duas narrativas, compostas em épocas distintas e a partir de experiências fundamentalmente diversas com o espaço escandinavo. De um lado a Vita Anskarii, composta por Rimbert ao final do século IX, e de outro as Gesta Hammaburgensis, escritas por Adam de Bremen na segunda metade do XI. Irei focar a investigação sobre um aspecto pontual das narrativas: os relatos sobre o paganismo escandinavo. O eixo da análise será a relação entre percepção e imaginação do elemento pagão nesses autores, tema que se coloca em relação direta com discussões recentes a respeito dos textos historiográficos e hagiográficos medievais.