Esse artigo tem como objetivo analisar a narrativa a respeito das Cruzadas em um texto literário escrito durante a Guerra dos Cem Anos: Mélusine ou la noble histoire des Lusignan. A obra, do final do século XIV, conta a origem de uma fortaleza e as aventuras da linhagem que lá se originou. Essa família, de fato, teve participação importante nas Cruzadas, tendo Guido de Lusignan se tornado rei de Jerusalém em 1186. No roman, as lutas no Oriente contra os infiéis tem um notável destaque, ocupando, aproximadamente, dois terços da obra. Pretendemos discutir essa evidência apresentando uma reflexão de caráter comparativo e analítico entre o episódio histórico – a ida dos Lusignan às Cruzadas, no século XII – e a forma como as batalhas dessa linhagem contra os muçulmanos foram descrita por Jean d’Arras nesse texto de 1392. As várias incongruências entre o evento histórico e o que é apresentado no roman nos levam a crer que ao narrar esse episódio Jean d’Arras não tinha em mente as Cruzadas de 200 anos antes. Sua referência, ao que parece, era a relação entre os cristãos e os infiéis em seu contexto: Guerra dos Cem Anos, final do século XIV. A partir dessa constatação instigante pode-se refletir como a narrativa medieval recorria a eventos passados, a partir de um específico regime de historicidade, no qual a verdade do sentido ocupa um lugar mais relevante do que a verdade dos fatos.
Citação completa
AMARAL, Flávia. Guerra dos Cem Anos e Cruzadas: a literatura entre a verdade dos fatos e a verdade do sentido. Em Tempo de Histórias, Brasília, n. 35, p. 84-103, jul./dez. 2019.