As letras iniciais ornamentadas são um dos tipos de organização visual medieval mais (re)conhecidos pelo grande público, mas um tema ainda pouco estudado por especialistas. Essas letras são assim chamadas por serem marcadas com determinados elementos (cores, tamanho maior, imagens, folhagens etc) que as destacam do texto para que possam indicar algo que deve ser ressaltado, como o início de um livro, de um capítulo, ou mesmo de uma palavra. Elas reúnem, portanto, dois universos, o do texto (aqui entendido em seu sentido mais estrito, como uma organização de palavras escritas) e o da imagem (aqui entendida não só em seu aspecto iconográfico, mas também formal, material e ornamental), de tal modo que a visualidade transborda a letra, e a letra encampa a imagem como seu corpo. A junção desses dois mundos, porém, não se dá de maneira única, uniforme, simplificada. Há todo um Jogo, com tensões, substituições, manipulações, em diferentes graus, em diferentes estilos, com diferentes modos de funcionamento, entre letra e imagem (ou entre letra e ornamento). As iniciais fazem parte de um conjunto mais amplo de letras ornamentadas como as que se encontram em alfabetos figurativos ou mesmo nas pixações nos muros das cidades – e comparações com estas são feitas ao longo da tese para perceber seus paralelos e diferenças, sobretudo em suas lógicas de funcionamento e em seus usos. Mas o objetivo principal é estudar o modo de funcionamento das letras iniciais ornamentadas nos livros manuscritos – e isso tanto internamente, em sua estrutura de letra (ou “letridade”), quanto externamente, em sua relação com os componentes do livro: o texto e as outras imagens, estejam elas nas letras ou não (além de todos os outros aspectos materiais do livro, como os pigmentos, a encadernação, a mise en page etc). Por modo de funcionamento, entende-se aqui não só a composição e a construção das letras (ou o que as torna ornamentadas), mas também as funções que elas desempenham na economia da página e, por conseguinte, na economia do livro todo, e que vão desde as mais práticas, como organizar a leitura, àquelas situadas o mais externamente possível às letras, e que dizem respeito a aspectos relacionados à posição social do comitente/destinatário do livro (que a riqueza das iniciais pode indicar), por exemplo.