Qual a legitimidade da dialética para tratar questões ligadas à fé? Esta pergunta traduz a grande inquietação intelectual presente no século XI, dando origem a uma interessante discussão em torno do estatuto da lógica. O grande e crescente interesse da dialética fez com que alguns a vissem como instrumento bastante adequado para o exame de todas as questões, inclusive aquelas mais excelsas, ou seja, as questões sagradas. Outros autores, contudo, embora reconhecendo o valor da disciplina, observavam com certa desconfiança sua aplicação à matéria sacra. Lanfranco, Berengário e Pedro Damião são protagonistas de um rico debate que é prenúncio de um novo rumo no modo de compreender as relações entre fé, razão e autoridade. É, precisamente neste contexto de debate sobre o estatuto da dialética, que se faz presente a reflexão de Anselmo de Aosta. Em seu primeiro tratado sistemático, o Monologion, o autor busca, apoiado apenas pela razão, isto é, prescindindo do recurso à autoridade das Sagradas Escrituras e dos Padres, tratar da essência divina e de outras questões conexas. Ora, uma obra que trata de tal tema, fazendo uso exclusivo da dialética, do encadeamento das razões necessárias é, sem dúvida, elucidativa da posição de seu autor, referente ao debate então instaurado em relação à pertinência do uso da dialética. Nesta obra é possível perceber o modo harmônico, estabelecido por Anselmo, para conciliar a fé, a razão e a autoridade. Fruto da meditação e do diálogo, o Monologion, especialmente por seu método sola ratione, consiste numa madura resposta de seu autor à questão fundamental de seu tempo. O recurso à dialética consiste num esforço, exigindo um adequado preparo, o qual, uma vez atingido, permite harmonizar o encadeamento das razões necessárias com a fé e a autoridade. Sem negar a tradição dos Padres, de modo especial a autoridade de Agostinho, Anselmo fornece uma resposta que não hesitamos em qualificar como sendo filosófica. É o que procuramos mostrar em nosso estudo.